RENEGADE (1986, Arcade)

Quem já acompanha o Cemetery Games há mais tempo sabe que o jogo pioneiro do gênero beat’em up (um dos mais populares nos anos 80 e começo dos 90) foi Kung Fu Master, de 1984. Mas qual foi o game que realmente definiu as regras, a estética e os estereótipos do gênero? A maioria dos gamers da velha guarda não pensaria duas vezes antes de responder: Double Dragon. Afinal, como se sabe, Double Dragon foi o mais célebre representante do estilo nos anos 80 e gerou uma bem sucedida trilogia que foi adaptada para tudo o que era máquina de rodar jogo na época.

O que a maioria não sabe é que, na verdade, o gênero beat’em up foi essencialmente definido por um jogo do qual poucos hoje lembram: RENEGADE, lançado em 1986, um ano antes de Double Dragon. Todas, absolutamente todas as convenções do gênero foram criadas por este game: herói “bad boy”, cenários urbanos distópicos e cheios de pixações, inimigos formados por diferentes estereótipos de gangues de rua (“tipos” como a piranha seminua de chicote na mão, o punk, o careca, o negão parrudo, o cabeludo de bandana), golpes variados que incluem socos, chutes e voadoras, chefões de fase, uma jornada que começa no centro da cidade e vai até o covil da gangue inimiga, a movimentação em quatro direções diferentes, etc.

Na trama, o jogador controla um vigilante (chamado de Mr. K em algumas versões) que sai pelas ruas dando porrada em várias pequenas gangues de marginais, a fim de chegar até o esconderijo dos vilões para resgatar sua namorada, que foi sequestrada pelos criminosos.

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A CONEXÃO KUNIO-KUN

Renegade foi lançado nos arcades no ocidente pela Taito em 1986, e fez grande sucesso. O que poucos sabiam, na época, é que o jogo era uma “localização” de um game japonês chamado Nekketsu Kōha Kunio-kun, lançado alguns meses antes pela Technos. Esse jogo foi o primeiro da série Kunio-kun, que existe até hoje no Japão e que já teve vários games “adaptados” para o mercado ocidental com outros nomes.

A série Kunio-kun gira em torno de um sujeitinho bom de briga chamado Kunio, que vive arranjando problemas com as gangues de valentões que infestam a Nekketsu High School, colégio onde ele estuda. Quem é retrogamer de carteirinha deve conhecer um jogo de sucesso do NES chamado River City Ransom, que também era uma adaptação de um jogo da série Kunio-Kun. Outros jogos da série Kunio-kun que foram “localizados” para os mercados ocidentais deram origem a games como Super Dodge Ball, Crash ‘n the Boys – Street Challenge, Nintendo World Cup (todos do NES) e o Double Dragon II do Game Boy clássico.

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AS VERSÕES

Como era habitual na época, a versão original dos arcades era tecnicamente a melhor de todas. No entanto, praticamente todas as versões domésticas se saíram muito bem na adaptação do jogo. Renegade foi adaptado para Amiga, Amstrad CPC, Apple II, Atari ST, Commodore 64, MS-DOS, ZX Spectrum, Nes e Master System. Não conheço todas essas versões, mas vou fazer algumas considerações sobre aquelas que experimentei.

Renegade (Spectrum)

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O Renegade do Spectrum é considerado um dos melhores games do gênero já lançados para a plataforma. O jogo é monocromático e mais lento que o original, mas os gráficos são ótimos, a trilha sonora é essencialmente a mesma do arcade e a jogabilidade é extremamente eficiente, resultando num divertido festival de porrada comendo para todos os lados. A dificuldade, num primeiro momento, intimida: esteja pronto para apanhar como um bicho nas primeiras partidas. No entanto, com um pouco de prática, o jogador passa a dominar bem os combates, que se tornam quase fáceis. Repare que eu disse “quase”, pois não custa lembrar que você terá apenas três vidas e nenhum continue. Grande game do Spectrum!

Não joguei a versão do Commodore 64, mas vi alguns vídeos dela, e é considerada uma ótima adaptação. Como é típico do C64, a resolução gráfica é meio quadradona, mas o visual é caprichado e muito colorido.

Renegade (Commodore 64)

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Tanto no original dos arcades quanto nas conversões para os microcomputadores da época, Renegade consistia tão somente de quatro ou cinco fases bem curtas, cada uma com duas telas. O jogo começa numa plataforma de metrô, vai para uma zona portuária, depois para um beco na frente de umas casas noturnas barra pesada e terminava no esconderijo da gangue (no original do arcade, há ainda um estacionamento antes da fase final).

Renegade (Nes)

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A versão do NES, lançada em 1987, inovou ao apresentar novos sub-níveis. Na primeira fase, por exemplo, o jogador derrotava os bandidos na frente do metrô, depois entrava no metrô em movimento e então chegava numa outra plataforma onde finalmente encontrava o chefão da fase. Na segunda fase, até uma divertida cena de perseguição de motocicletas foi incluída. Outra coisa que chamava a atenção na versão do NES é que, apesar do jogo ter sido feito para os mercados ocidentais, nessa versão os personagens eram representados num estilo bastante nipônico, diferente da roupagem acentuadamente ocidental das outras versões.

Renegade (Master  System)

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De todas as versões de Renegade, é difícil não concordar que a melhor de todas é a tardia adaptação lançada para o Master System em 1993. O jogo tem todas as “expansões” da versão do NES, mas os gráficos são muito mais definidos e coloridos. A jogabilidade requer algum treino, pois a movimentação, apesar de rápida, é meio “saltada”, com mais frame-skipping do que seria desejável. Mesmo assim, para quem quer conhecer Renegade hoje, talvez a versão do Master seja uma opção melhor até do que o próprio original dos arcades.

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AS CONTINUAÇÕES

Embora a Technos tenha continuado a série Kunio-kun até os dias de hoje no Japão, a Taito não se interessou em lançar nenhuma continuação de Renegade nos arcades. No entanto, isso não impediu que os jogo virasse uma trilogia nos microcomputadores da época. Explico: quando a Ocean Software adquiriu os direitos de fazer as conversões de Renegade para as plataformas domésticas, ganhou também o direito de lançar continuações para essas adaptações. Diante da excelente receptividade do game em plataformas como o Commodore 64 e o ZX Spectrum, em 1988 a Ocean (querendo capitalizar em cima do sucesso de Double Dragon) lançou a sua própria continuação de Renegade para NES, Amstrad CPC, C64 e Spectrum. Seu nome era Target: Renegade, e o jogo novamente foi muito bem recebido em todas os sistemas para os quais foi lançado.

Target: Renegade (Nes)

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Em 1989, a Ocean fechou a sua trilogia com Renegade III: The Final Chapter, lançado para ZX Spectrum, Commodore 64, Amstrad CPC e também para o MSX (é o único game da série com versão para este sistema). Como se vê, o Amstrad CPC, o Spectrum e o C64 são as únicas plataformas para as quais foram lançados todos os três episódios da série Renegade.

Infelizmente, pelo jeito os caras da Ocean usaram drogas em excesso quando criaram essa continuação, pois dessa vez resolveram tirar a trama de sua ambientação urbana e criaram um roteiro de … viagem no tempo! Sim, dessa vez o jogador, com chutes e socos, enfrentava dinossauros(!), homens das cavernas, robôs futuristas e múmias egípcias(!!).

Renegade III (Spectrum)

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Apesar dos bons gráficos, esse nonsense todo desagradou os jogadores, e Renegade III (em todas as plataformas) é amplamente considerado como sendo o “patinho feio” da trilogia. Curiosamente, toda essa bobajada de Renegade III aparentemente impressionou a Technos, que em 1990 usaria elementos semelhantes (como as múmias e os cenários em diversas partes do mundo) no seu Double Dragon III. Aparentemente, a ruindade dos jogos é uma coisa contagiosa, pois Double Dragon III também foi muito criticado e, assim como Renegade III, hoje também é considerado como “o ponto baixo da trilogia”.

Em suma, Renegade não é tão bom quanto Double Dragon, e tampouco é tão lembrado hoje em dia. Mas é um dos títulos mais influentes da história dos videogames e foi um marco para os computadores domésticos dos anos 80. Para quem gosta do gênero beat’em up, conhecer Renegade é uma boa maneira de saber como começou essa historia de valentões que atravessam a cidade surrando gangues de rua para resgatar suas namoradas.

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Garotas seminuas de chicotinho na frente da “Sauna” e do “Suzys”.  Você teria coragem de ir tomar uma cervejinha no “Suzys”?

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Renegade no Master System: a última e melhor de todas as versões do jogo.

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O estacionamento, um cenário ausente em algumas das versões para plataformas domésticas.

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O rebelde das ruas lutando contra múmias, dentro de uma pirâmide no antigo Egito. Renegade III é mesmo difícil de engolir.


15 pensamentos sobre “RENEGADE (1986, Arcade)

  1. Lembro até hoje, quando vi a capinha do Renegade do Master System em uma locadora, e achei que fosse algum Double Dragon diferente. Aluguei na hora e descobri um dos melhores jogos de briga de rua da época.

    Maneiro o post, não sabia que tinha continuações pra ele, muito menos que no terceiro jogo batemos até em múmias…

  2. lembro de ter jogado um parecido nesses arcades que tem varios jogos antigos, mas ja nao sei onde está. Se chamava hotblood parecia ser japones pelo menos as roupas eram.
    muito boa a matéria.

    será que tem em algum lugar apara baixar?

  3. Amigo, tenho 33 anos e joguei muito o Renegade do fliperama, jogo ótimo, parabéns pelo texto e vc sabe onde posso jogá-lo aqui pela net? aAgradecido. Luciano Oliveira.

  4. Mto bom txt. Jogava Renegade no fliper, la no inicio dos anos 90. Como aficcionado por Double Dragon, tb pirei com Renegade. Toda minha mesada em fichas no Fliper. Foi bom saber que o Renegade foi pioneiro do genero. Classico!

  5. Pingback: DOUBLE DRAGON (1987, Arcade, Atari, NES, Master System, Mega Drive, MSX, ZX Spectrum, Game Boy) | Cemetery Games

  6. Excelente teu texto! Acho que é o primeiro blog que leio onde percebe-se uma nítida preocupação do autor com a grafia e construção correta das frases…Outros blogs são tão horrivelmente escritos que até nos tiram a vontade de ler! Meus parabéns pelo capricho!
    Com relação ao Renegade, a única coisa que não concordei foi em relação a você considerar o jogo para Master System superior a versão original de arcade, já que esta possui animações bem mais fluidas e com mais quadros de animação, além de gráficos muito mais detalhados. Mas também só isso mesmo,ótimo post.

    • Obrigado, Jorge! Continue de olho no Cemetery Games, tem muitas atualizações vindo em breve! Abraço! 🙂

  7. Lembro-me muito bem, lá pelos anos 80, na taverna do seu geraldo (morto) em Manaus íamos jogar esses grandes jogos. Quanta saudade meu Deus. Eramos feliz e nao sabíamos

  8. Olá, amigo. Pra mim, simplesmente o melhor game de luta beat’n up de todos os tempos. Lembro de passar horas no shopping somente assistindo a galera jogar pois o game era muito difícil pra um garoto de 9,10 anos como eu na epoca( sou nascido em 77) pois vc só tinha uma vida e se morrese nem podia por outra ficha pra continuar de onde morreu. Tinha que recomeçar da primeira fase. Era poda! Quando alguém colocava um crédito ouvíamos a expresso : ” good luck, kid!” E logo se formava uma rodinha em torno da máquina só pra ver o cara jogar. Era divertido até assistir! Rs.. eu adorava. O game era muito melhor que double Dragon,cuja única vantagem era poder ser jogado em dupla. Renegade era mais ágil, mais tenso. Vc se via cercado de inimigos. Podia correr pra um dos lados da tela pra se livrar dos inimigos mas eles corriam tb atrás de te cercar novamente . Avariedade de golpes era incrível. Eu nunca vi outro game deste estilo com tamanha variedade de golpes. Vc podia agarrar o inimigo pela gola da camisa, socá-lo, atirá-lo sobre os outros,chutes, voadoras,podia correr pra se afastar, e o mais legal pra mim, vc podia montar no inimigo caído no chão e espancá-lo. Era muito real. Sempre que penso nesse game lembro da minha infância com muita saudade. E hj com menus 38 anos,ao lado da série King of fighters, é o único game que ainda me estimula a jogar!
    Eu tenho um gabinete arcade padrão jamma e tenho uma placa original do game Renegade que comprei no ebay. Infelizmente minha placa começou a apresentar uns problemas e tenho interesse em reparar e comprar outras. Se alguém conhecer alguém que tenha interesse de vender uma placa original do game Renegade para arcade eu tenho interesse em comprar. Pode entrar em contato comigo pelo e-mail:

    kalinhadeanjo@hotmail.com

    Também discordo do post quando fala que a versão master system era melhor. Lembro que era bem frustrante jogar as versões do NES e Master. Pois nada se comprava a versão dos árcades.Aguardo contatos.

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